Hoje em dia, a realidade da sociedade é construída por muitos cidadãos que não ficam mais fixos em um só lugar.
Teoricamente, a nacionalidade é definida, em sentido amplo, como o vínculo que liga um indivíduo a um determinado Estado, identificando-o como nacional de um Estado e gerando entre ambos – a pessoa e o Estado – direitos e deveres.
Cada Estado tem a soberania de estabelecer as regras que regem a atribuição da sua nacionalidade e, assim, determinar quem são os seus nacionais. Mais comumente, a nacionalidade é adquirida por nascimento (jus soli), conexão de sangue (jus sanguinis), ou pode ser obtida por naturalização.
No contexto desportivo, o conceito de nacionalidade ganha contornos diferentes, isso porque, a definição dos critérios de elegibilidade para jogos representando seleções nacionais é de competência exclusiva de cada federação ou confederação internacional, podendo variar de modalidade para modalidade, ou seja, vai caber à entidade federativa máxima de cada esporte a determinação dos critérios para obtenção da nacionalidade desportiva.
Por exemplo, a FINA é a Federação internacional de esportes aquáticos, para trocar de nacionalidade dentro desta federação, é necessário apresentar o passaporte do país que o atleta quer representar, últimos resultados do país que representou anteriormente, comprovante de residência, entre outras exigências.
Mas como um país participa de uma Olimpíada?
O país deve ser afiliado ao Comitê Olímpico Internacional (COI). O processo de inscrição envolve a formação de um Comitê Olímpico Nacional (CON), que é reconhecido pelo COI como a autoridade responsável pelo esporte em seu país. Sendo o CON reconhecido pelo COI, o país pode inscrever atletas para participar das Olimpíadas por meio desse Comitê Olímpico Nacional.
Portanto, para que um atleta possa participar de uma competição, é necessário que ele seja vinculado a um Comitê Nacional, conforme o item 41 da Carta Olímpica (IOC, 2017, p. 78), que afirma que “Qualquer competidor nos Jogos Olímpicos deve ser nacional do país do CON que o registra”. Simples, certo? Porém, hoje, com a sociedade mudando para um mundo globalizado, essa simples regra acabou se tornando um desafio, em função de ser cada vez maior o número de atletas com múltiplas nacionalidades e que, por isso, têm o direito de escolher qual país defender, porque, ao escolher um país pelo qual competir, o atleta, muitas vezes, não busca uma identificação ideal, mas sim a possível, ou a mais oportuna na sua modalidade.
E quais são as regras para Competir com Dupla Cidadania?
Primeiro, o atleta deve ser cidadão do país que pretende representar e, algumas vezes, isso pode significar que ele precise cumprir certos requisitos de residência, além de simplesmente ter a cidadania, como no exemplo da FINA dado acima. Em seguida, o atleta com dupla cidadania deve escolher por qual país deseja competir. Isso é decidido geralmente antes das competições internacionais, como os Jogos Olímpicos.
Depois, é necessário verificar se o atleta já disputou competições internacionais representando um país, pois existem regras específicas sobre quando e como eles podem mudar de afiliação nacional para competir por outro país. Isso geralmente envolve um período de espera, que pode variar dependendo das federações esportivas nacionais e do Comitê Olímpico Internacional (COI).
Essa espera se dá porque o atleta precisa da aprovação das federações esportivas de ambos os países envolvidos, porque tanto o país de origem quanto o novo país que o atleta pretende competir, devem concordar com a transferência do atleta.
Assim que as duas federações de ambos os países aprovarem a “mudança” da nacionalidade, entra o COI em ação, porque ele possui diretrizes específicas sobre a mudança de nacionalidade esportiva. Em geral, se um atleta deseja competir por um novo país após ter competido por outro, ele deve esperar pelo menos três anos desde sua última competição pelo primeiro país, a menos que as federações nacionais e o COI concordem em renunciar a este período de espera.
Um exemplo famoso é o da, hoje, ex-jogadora de tênis de mesa chinesa Gui Lin, que representou o Brasil na Olimpíadas de Londres-2012 e na Rio-2016. Ela migrou para o Brasil quando tinha 12 anos de idade, e foi convidada por um técnico para treinar na cidade de São Bernardo do Campo/SP. Apesar de ser uma adolescente, ela veio sozinha para o Brasil e terminou de completar sua formação esportiva no Brasil. Quando completou 18 anos, Gui Lin conseguiu sua naturalização brasileira, portanto, o seu passaporte brasileiro. Com isso, passando por todas as etapas das federações e do COI, ela foi inscrita para os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012 e Rio-2016, como representante do Brasil.
Importante, então, levar em conta a história de vida de cada atleta, pois a pessoa pode ter nascido em um país, mas ter se desenvolvido profissionalmente em outro, criando uma relação com o país mais do que apenas pelo esporte e uma carreira profissional.
O COI é uma entidade privada e, por isso, usa de suas atribuições para reconhecer 206 nações, que é um número superior ao reconhecido pela Organização das Nações Unidas (193 nações). Sendo que ele dá poder às federações de regular as suas modalidades, dando, com isso, autonomia para estas federações definirem seus critérios e reconhecerem nações e nacionalidades de um modo diferente.
Importante que se fale sobre a Delegação de refugiados nos Jogos Olímpicos, pois isto abre uma discussão sobre o conceito de nacionalidade e as necessidades dos atletas.
Os atletas que competem sob a bandeira olímpica são de países de origem inscritos no COI (Exemplos: Congo, Etiópia e Sudão do Sul), porém, esses atletas que fazem parte da Delegação de refugiados competem através dela e não representam seus países em si, pela razão de haver problemas que os afastaram de suas nações de origem.
Com isso, vê-se que a vida de um atleta em um mundo onde as pessoas conseguem se mover com uma velocidade cada vez maior, é difícil usar um critério objetivo que as obrigue a defender determinada bandeira. Daqui se abrem muitas discussões no Direito Internacional.
Assim, percebe-se que a mudança de nacionalidade para fins esportivos é um processo complexo que pode envolver considerações políticas e diplomáticas, além de questões pessoais para cada atleta, fazendo com que eles e suas equipes devam planejar com antecedência e entender completamente as implicações e requisitos envolvidos.
Aqui, deixo duas matérias, a primeira que fala sobre atletas que possuem outra nacionalidade e estão defendendo o Brasil nas Olimpíadas de Paris 2024 e a segunda matéria da Agência da ONU para refugiados que traz os atletas que também estão participando dos jogos olímpicos Paris 2024 sob a bandeira olímpica.
Veridiana Petri
Advogada Ordem dos Advogados de São Paulo/Brasil 348.682
Advogada Ordem dos Advogados do Porto/Portugal A64073P
Advogada Brasil e Portugal, ítalo-brasileira, Especialista em Relações Internacionais e Direito Notarial e Registral, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP – Núcleo de Direito dos Imigrantes e Refugiados.